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(This book was produced from scanned images of public domain material from the Google Print project.) A INFLUENCIA EUROPEA NA AFRICA perante a civilisação e as relações internacionaes Considerações ácerca do tratado de 30 de maio de 1879 denominado de «LOURENÇO MARQUES» POR Carlos Testa Capitão de mar e guerra--Lente da escola Naval Rationem juris gentium magistram, sequamur. BYNKERSHOEK. LISBOA Typographia Universal De Thomaz Quintino Antunes, Impressor da Casa Real Rua dos Calafates, 110 1880 I Dos grandes continentes que compõe o denominado velho Mundo, é certamente a Africa aquelle cuja exploração hoje em dia se tornou de preferencia o objecto da attenção geral dos governos das nações civilisadas, e isto por tão variados titulos, como os que podem dizer respeito ás investigações geographicas, ao conhecimento da importancia de seus productos, ás condições da sua população, e á influencia que lhe póde caber no futuro movimento commercial do Mundo. É na Africa que teve séde uma das mais antigas civilisações que a historia recorda, a egypcia, testemunhada pelas ingentes pyramides e collossaes esphinges, que por muito tempo causaram a desesperação dos archeologos. A Lybia, onde os phenicios levaram suas colonias á fundação de Carthago, deixa vêr a vetustidade d'aquella parte do globo, que já para o grande poeta do Lacio fornecia inspirações, tiradas de factos coévos de Dido e dos exules do cêrco de Troya. Mas esse continente onde a historia antiga vae descobrir o ancião dos povos, e remontar a epocas remotissimas, é aquelle que ainda hoje, apoz os progressos da moderna geographia, deixa mais vasto campo para estudo e indagações, e cuja maior porção ainda se acha mal conhecida, inexplorada, e povoada por tribus tão variadas, como varios são seus caracteres mais ou menos selvagens, e na maxima parte, ainda estranhos aos effeitos da civilisação. Notaveis coincidencias nos deixa vêr a historia. Milhares de annos se interpõe decorridos desde que a Africa é n'ella mencionada. De pouco mais e pouco menos de quatro seculos datam, o começo das explorações do até então desconhecido littoral do occidente africano, e o descobrimento do limite austral d'aquella velha parte do Mundo. A esse tempo, as duas Americas eram entidades desconhecidas, quando Colombo e Cabral d'ellas deram noticia. Haverá um seculo apenas, que Cook descobria regiões austraes até então ignotas. E hoje as Americas e a Australia, esses vastos continentes apenas conhecidos de tão recente data, apresentam-se na sua maxima parte povoados de cultas sociedades, em todos seus extensos littoraes, e deixando vêr n'aquellas regiões transatlanticas, novas nacionalidades e estados florescentes, oriundos da civilisação europea, para alli transplantada, e onde a par da importancia d'aquelles, se alarga a esphera d'acção d'esta. E a Africa? Ainda um denso véo encobre em grande parte a sua intima condição da existencia e modo de ser; ainda no maximo numero a sua população vive vida selvagem e feroz, sem que o facho da civilisação viesse alumiar as trevas do seu primitivo estado. É pois na Africa que o geographo, o geologo, o naturalista, e o estadista, encontram os mais variados assumptos para estudo e especulação, na delimitação do seu territorio, nas feições do solo, de seus variados productos, seus extensos rios, vastos lagos, espessas florestas e até inhospitos desertos. D'ahi o empenho, e as tentativas que tornaram em nossos dias como o pensamento e proposito de todos os governos das nações cultas, a exploração e civilisação da Africa. Cousa notavel! Uma parte do globo que ha menos de quatro seculos ainda era desconhecida, a America, hoje já se distingue, contribuindo com a velha Europa no empenho de explorar as regiões não desbravadas d'aquella outra parte, a Africa, aliaz não ignorada desde a mais remota antiguidade! No decurso dos acontecimentos, de que o Mundo é o grande theatro, e em que a humanidade é o actor, difficil cousa seria o pretender designar e precisar taes acontecimentos como subordinados a uma regra invariavel, de modo a sujeitar seus effeitos a causas precisas. Elementos contingentes influem de modo que as causas só podem conhecer-se pelos effeitos. Na contemplação pois do que possa haver contribuido para o atrazo em que a Africa ficou perante as outras regiões do globo posteriormente descobertas, podem talvez apontar-se, a influencia de um clima em grande parte deleterio e adusto; as difficuldades materiaes de transpor suas aridas planicies e suas asperas cordilheiras, e mais talvez do que isso, a natureza selvagem e em grande parte feroz dos seus povoadores; e a influencia que a escravidão e seu trafico entre taes povos barbaros podiam ter, no desvio das praticas mais conducentes á util exploração d'aquelle vasto continente. Uma população assim embrutecida e sem laços sociaes que lhe elevem o nivel moral, constitue necessariamente um obstaculo, uma difficuldade á realisação de quaesquer emprehendimentos no sentido de desbravar aquellas regiões. Esta feição ethnologica poderia considerar-se como uma das que muito tem influido e ainda influe, quando outras causas não houvessem, para estorvar a realisação do grande pensamento em que a humanidade está empenhada, qual o de civilisar a Africa, pensamento que o espirito do seculo reclama, e que as nações cultas se interessam por conseguir. Perante povos selvagens, é a acção do missionario o meio mais conducente a abater seus instinctos ferozes ou brutaes, meio este que lançando o germen da civilisação, mediante a influencia das crenças que actuem no homem pelos estimulos da consciencia e pelas noções do dever, e que tomando a moral por base da familia, institue assim esta molecula social, por onde se chega á formação de uma sociedade cujo bem estar reclama novas aspirações, e d'aqui vem como resultado a necessidade do aproveitamento do solo, de augmentar seus productos, effectuar permutações, e activar o commercio, obtendo-se assim vencer os obstaculos que ainda hoje se apresentam para realisar aquella tão apetecida obra, pois é civilisando o africano, que se conseguirá civilisar a Africa. O conseguimento pois do fim a que as nações cultas se propõem na Africa, depende de taes elementos que são a cathechese, que desbrave a fereza do selvagem e entre elle estabeleça os laços sociaes; o commercio, que obrigue ao trabalho util e ao desenvolvimento da riqueza natural do solo; e por ultimo, de estabelecer o predominio que resulta da força, como meio indispensavel para manter o prestigio da civilisação sobre a barbarie, e para conter em respeito aquelles que por indole indomita ou instinctos brutaes se tornem ameaçadores e aggressivos, em vez de doceis e submissos á acceitação dos meios tendentes a regenerar a sua existencia social. Como tem sido, ou como conviria que fossem aproveitados estes meios, e a quem de preferencia compete attender aos seus desejados effeitos, é assumpto que se presta a algumas ponderações. A historia da humanidade, assim como nos revella as variadas tendencias de suas differentes épocas, tambem nos deixa vêr exemplos de nações, ás quaes parece que a Providencia commetteu uma ou outra missão a cumprir, em virtude de caracteres peculiares de sua existencia e condição. Se por entre as exorbitancias a que as rudezas da edade media deram logar, pretendermos discernir os commettimentos dignos de ser acatados, é mister para isso destacar aquelles, nos quaes se possa descobrir um cunho ou feição, por onde se revelle justiça no procedimento, ou conveniencia geral no seu effeito. Coube tambem a Portugal uma boa parte e um importante papel a desempenhar nas evoluções sociaes pelas quaes o Mundo tem passado. Paiz pequeno, mas situado na orla mais occidental onde a Europa é banhada pelo Atlantico, foi a elle que competiu a missão de alargar os horisontes da geographia, rompendo aquelle limite além do qual tudo era desconhecido. No desempenho de tal encargo, não faltou aos dictames que a justiça lhe podia impor, assim como tambem não deixou de mirar a um objectivo que significava uma conveniencia geral, a bem da humanidade. Assim foi, que quando ao deslisar da edade media D. João I conduziu suas hostes á conquista de Ceuta, levando a guerra á Africa, obedecia ainda áquelle impulso que vinha dictado pelo antagonismo de crenças e resentimento de armas. Não estava ainda de todo extincto aquelle espirito religioso, que quando levado até ao fanatismo, formára o ideal do heroismo cavalheiroso das cruzadas. A guerra aos inimigos da cruz como proseguimento das conquistas operadas sobre o crescente, e que fôra o principio em que se baseára a monarchia fundada em Ourique, estava apenas diferida mas não finda. A guerra levada á Africa era pois o proseguimento da conquista sobre terras de mouros, tão justificada d'além, como o fôra nos Algarves d'aquem mar. Esse pensamento de dilatar na Africa tal conquista como territorio de Portugal e não como feitoria colonial, quando proseguido e mantido, poderia ter dado logar a uma phase politica de grande alcance futuro, e que haveria formado de Portugal um grande estado europeu africano. Mas outros enlevos, outras ambições, outros calculos de interesse vinham unir-se ao primitivo movel moral, qual o da fé religiosa, desde que outras vistas mais positivas, embora menos enthusiastas, impelliam ao empenho de procurar novas regiões, transpondo o mar, alargando os limitados dominios em que a geographia se achava contida. Ceuta, o primeiro baluarte da Mauritania, foi o posto avançado para assegurar o ponto de partida e franquear o caminho, que o immortal infante D. Henrique preparava, aos que largando de Sagres, haviam de explorar as costas desconhecidas, desde o occidente, e a seguir para o sul, no continente africano. A obra a emprehender era tal, que n'ella devia predominar ora o valor do soldado, ora a coragem do marinheiro. Á consciencia da justiça que auctorisava a guerra, ligava-se tambem a perspectiva e resultados grandiosos para a sciencia, bem como de um alcance mais subido, desde que redundavam em vantagem da humanidade. N'esta ardua, mas gloriosa tarefa, se ao cabo Tormentoso, vencido por Bartholomeu Dias, se seguiu o caminho do Oriente ser aberto pelo Gama; se á escola de Sagres se deveu o que era o resultado do arrojo e denodo dos nautas, tambem é certo que a escola de Ceuta, Tanger e Arzilla foi a que preparou e alimentou aquelle valor guerreiro, que durante quasi um seculo tanto contribuiu para illustrar, por seus feitos no Oriente, o nome portuguez. Em toda esta obra grandiosa, Portugal, procedendo em harmonia com o espirito da época, soube desempenhar-se nobremente da missão que lhe competiu. |
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