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LORD PALMERSTON

A OPINIÃO E OS FACTOS


Um brado a pró da verdade

Por C. T.


LISBOA

Typ. da Sociedade Typographica Franco-Portugueza

6, Rua do Thesouro Velho, 6.

1865




Infandum... jubes, novare dolorem.
Virg. Æn.


Não ha nada, por bem extraordinario que pareça, para que não se deva
estar preparado. Realizam-se factos contra todas as supposições, ou
probabilidades moraes; e emquanto que muitas vezes se levantam
escrupulos sobre incidentes triviaes, mas explorados em favor da
significação que se lhes quer dar, ou do alcance moral e politico que se
pertende ter em vista, outras vezes o olvido, a indulgencia, ou qualquer
outro sentimento menos austero, faz com que se esqueçam acontecimentos
graves e se absolvam factos, nada innocentes para o pundonor de uma
nação.

Occorrem estas considerações á mente de quem por um momento reflectisse
no que se passou na camara dos srs. deputados na sessão de 20 do
corrente, em que um membro d'aquella casa propoz duas mensagens de
profundo sentimento pela morte de lord Palmerston, sendo uma dirigida á
camara dos communs de Inglaterra, e outra á viuva do dito lord.

Consubstanciou o proponente as suas razões, envolvendo-as no manto de
uma eloquencia elevada, vaporosa e figurada, onde a abundancia das
flores de estylo escondesse os espinhos do assumpto. Foram suas as
seguintes expressões:

«O primeiro titulo e a principal virtude do finado era o de melhor
amigo da Inglaterra; que, onde houvesse uma liberdade moribunda ou
uma liberdade a nascer, lá estava elle que era ao mesmo tempo aguia,
medico e sacerdote. Á primeira dava conselhos e ministrava vida nova
com o pão eucharistico (!) de suas doutrinas. Á segunda tomava
d'ella nas suas garras, e a suspendia depois no ar, (_sic_) donde a
luz immensa de cima, e o exemplo debaixo, apontavam horisontes
claros do futuro, etc.

«As minhas propostas requerem uma homenagem prestada aos mais
sagrados direitos da humanidade, etc... essa homenagem é tambem
sobretudo uma divida de respeito universal que lhe devemos todos os
povos, e _de gratidão nacional que nós particularmente lhe devemos_,
etc...»

Apoiado desde logo por um ex-ministro que se declarou prevenido e
antecipado na proposta, e que assim lograva ter partilha nos applausos
de occasião, concluiu o proponente o seu poetico discurso, appellando
para o parlamento afim de que «_o acompanhasse nas saudades que a dor
sincera de Portuguez lhe fazia pouzar sobre o tumulo de lord
Palmerston_.»

Se a camara approvou a proposta, respeitem-se os intentos e acatem-se as
decisões.

É licito suppôr que o enthusiasmo do momento, filho da maviosa e viçosa
phrase do eloquente deputado, abafasse qualquer outro sentimento intimo
na apreciação do assumpto; mas seja licito tambem avaliar á sombra da
historia quasi contemporanea, na calma da reflexão, e longe do jardim da
eloquencia, o conceito que deve merecer a Portugal o grande estadista,
que, se foi (como disse o author da moção) o maior amigo da Inglaterra,
não foi decerto em todas as épocas da sua vida politica o melhor amigo
de Portugal.

A indicação de alguns factos, suggeridos e sanccionados por documentos
officiaes, bastará para provar esta asserção.

* * * * *

Não é necessario remontar á primitiva historia do trafico de escravos,
nem ás primeiras tentativas feitas a pró de sua abolição, para se
reconhecer que não foi a Inglaterra a primeira nação que mostrou
empenhar-se n'este ultimo intento. Já no começo d'este seculo algumas
nações tinham promulgado leis n'esse sentido, quando ainda a Inglaterra
sustentava o principio da escravidão.

Não era isso para extranhar n'uma nação que durante longos annos foi a
que mais commerciou e lucrou no trafico de escravos.

A historia não se desmente e a lição dos factos não é fácil de
contestar-se.

Pelo tratado denominado de _assiento de negros_ celebrado em 26 de março
de 1713 entre as coroas de Inglaterra e de Espanha, se estipulou «que S.
M. Britannica nomeará pessoas que se encarreguem de introduzir nas
colonias Espanholas das Indias occidentaes da America, durante o prazo
de 30 annos, 144:000 negros peças d'India de ambos os sexos sendo 4:800
em cada anno. Os «assentistas poderão empregar os navios propriedade de
S. M. Britannica e de seus vassallos.»

Pelo tratado de paz e amisade de 13 de julho do mesmo anno entre o Rei
Catholico e a Rainha Anna da Gram-Bretanha, negociado pelo duque de
Ossuna e marquez de Montleon por parte da Espanha, e o bispo de Bristol
e o conde de Strafford por parte da Inglaterra, se estipulava o
monopolio do trafico de escravos em favor d'esta; e pelo artigo 12.º
diz-se que «o Rei Catholico dá e concede a S. M. Britannica e á
companhia de vassallos seus para este fim formada, a faculdade para
introduzir negros nas diversas partes chamadas de _assientos_, com
exclusão de Espanhoes ou quaesquer outros, isto por espaço de 30 annos.»

Que contraste! Já havia mais de um seculo que um frade dominico
Espanhol, Francisco Victoria, na sua obra _de Indis_, e seu discipulo
Domingos de Soto, no tratado _de justitia et jure_ haviam pugnado pela
liberdade da raça humana; já os frades redemptoristas catholicos iam á
Africa resgatar os captivos christãos, e ainda a Inglaterra em nome da
sua soberana, e por intermedio de um bispo protestante monopolisava para
si o trafico de escravos, antepondo á voz da consciencia, o engodo dos
interesses que auferia d'este mercadejo de corpos endurecidos pelo
trabalho e de almas embrutecidas pela servidão e miseria!

Áquem do meiado do seculo passado as colonias Inglezas da America pediam
repetidas vezes a abolição da escravatura, mas a influencia dos
interesses da metropole fizeram sempre com que o parlamento e a corôa
rejeitassem essas aspirações, e a Inglaterra proseguia a despovoar a
Africa antepondo os interesses do ganho, a submetter-se á voz da
humanidade.

Edmund Burke, em seu notavel discurso sobre a conciliação com a America,
reconheceu que uma das causas da animadversão para com a Inglaterra, era
a pertinacia d'esta em recuzar-se a qualquer annuencia ás tentativas dos
Estados para obstar ao trafico de escravos, e que uma tal persistencia,
e o abuso do veto Real em favor da escravidão, foram uma das causas da
separação da America do Norte.

Wheaton, publicista americano affirma na sua historia do direito das
gentes, que a escravidão que até hoje fazia parte integrante do systema
social dos Estados do Sul da Republica dos Estados Unidos, não só fôra
alli introduzida pela mãe patria, mas que tambem ás recuzas d'esta em
annuir ás medidas que as assembléas provinciaes propunham para a abolir,
é que se deve o haver-se perpetuado uma tal instituição n'aquella parte
da America.

As tentativas de Clarkson, e as de Wilbeforce em 1804, no parlamento
Britannico, contra o trafico, ainda eram contrariadas pelo Governo da
Gram-Bretanha, vindo sómente a ser adoptadas durante o ministerio da
coalisão de Fox e Granville; e ás grandes luctas internacionaes
d'aquella época, luctas que mudaram totalmente a face aos interesses
commerciaes e coloniaes da Inglaterra, é que se deve a nova phase que a
respeito do trafico de escravatura tomou a politica d'aquella potencia.

Por todo este conjuncto de factos e circumstancias bem se deixa perceber
que o governo Portuguez a cuja frente se achavam Manoel Passos, Sá da
Bandeira, e Vieira de Castro (Senior) abolindo pelo decreto de 10 de
Dezembro de 1836 o trafico da escravatura nas possessões Portuguezas,
tinha razão sobeja para consignar no relatorio do mesmo decreto, estas
solemnes palavras:

«O infame trafico dos negros é certamente uma nodoa indelevel na
historia das nações modernas, mas não fomos nós os principaes, nem
os unicos, nem os peiores réos. Cumplices que depois nos arguiram
tanto, peccaram mais e mais feiamente.»

É porém sabido que novas vistas politicas e commerciaes haviam tornado
mais modernamente a Inglaterra sofrega por abolir o trafico; convenções
internacionaes eram n'esse sentido diligenciadas por lord Palmerston
então ministro dos negocios estrangeiros d'aquelle paiz; e durante o
anno de 1837 e parte de 38 se entabolaram com Portugal negociações para
a estipulação de um tratado entre as duas corôas, sendo o negociador o
visconde (hoje marquez) de Sá da Bandeira, ministro dos negocios
estrangeiros, e lord Howard de Walden, representante Britannico em
Lisboa.

Ninguem se atreverá a duvidar por um momento, de quão sinceras e intimas
são e sempre foram as convicções e o empenho do marquez de Sá da
Bandeira em relação ao trafico de escravatura; e quando qualquer
divergencia possa haver sobre o modo de as avaliar, nunca tal
divergencia poderá nem levemente admittir a supposição de que elle se
prestasse a difficultar ou estorvar qualquer justa medida tendente á
abolição d'aquelle infame trafico. Mas eram taes as pertenções, e as
tricas diplomaticas do Governo Britannico cujo ministro de negocios
estrangeiros era lord Palmerston, que ainda em maio de 1839 o ministro
dos negocios estrangeiros de Portugal, Sá da Bandeira, se via forçado a
rebater a exigencia d'aquelle, qual era a de que Portugal aceitasse sem
alteração nem demora, uma minuta de tratado que lhe fosse apresentada,
contendo bases differentes das que até então tinham sido combinadas nas
negociações entaboladas.

E eram taes as bases propostas que mui dignamente procedeu o então
visconde de Sá da Bandeira repellindo tal exigencia como altamente
lesiva á liberdade da nação, e á independencia da corôa. Entre as
condições propostas por lord Palmerston achavam-se nada menos do que a
clausula da perpetuidade das estipulações do tratado--o poder dado aos
cruzadores Britannicos para destruirem á sua vontade os navios
Portuguezes nos mares de Africa--e a faculdade de explorar as costas dos
dominios Portuguezes até ao ponto que importava violação de territorio.

Apesar d'esta rejeição, não cessava comtudo o governo Portuguez de uzar
de todos os meios ao seu alcance tendentes a conduzir a cabo o seu
pensamento de repressão áquelle trafico.



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